Maternidade e Mercado de Trabalho: Desafios e Precariedades no Brasil: Uma Análise Aprofundada
Um passado marcado pela invisibilidade:
Em 1962, enquanto o mundo celebrava as conquistas espaciais e homens erguiam mundos de concreto e aço, as mulheres se viam confinadas ao universo doméstico. Ajustar a mesa para as refeições e cuidar dos filhos eram tarefas consideradas “deveres femininos”, relegando-as à invisibilidade no mercado de trabalho. Essa realidade era sustentada por um sistema patriarcal arraigado, onde o Código Civil de 1916 exigia a autorização do marido para que a mulher casada pudesse trabalhar. A visão do Estado sobre as mulheres era a de seres inválidos e incapazes, condenadas a um papel secundário na sociedade.
Avanços e retrocessos: Uma luta constante por igualdade:
Apesar dos avanços conquistados ao longo das décadas, a luta por igualdade de gênero no mercado de trabalho ainda é árdua e exige constante vigilância. A Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garantem a proteção à gestante, incluindo a “estabilidade provisória”, que proíbe a demissão sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Essa conquista representa um marco importante na luta por direitos das mulheres, assegurando a elas a tranquilidade de manter seus empregos durante um período crucial da vida.
A realidade nua e crua: Desafios persistentes para as gestantes:
Mas a realidade nem sempre condiz com a lei. A pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2016/2017 revela um dado alarmante: metade das mulheres são demitidas após o período de gestação, evidenciando a persistência de um sistema que discrimina e marginaliza as gestantes no mercado de trabalho. Esse cenário é ainda mais desafiador para mulheres de baixa renda e escolaridade, que se veem em uma situação de extrema vulnerabilidade ao retornarem da licença maternidade.
O medo presente na vida de Eduarda:
A jovem Eduarda Lorrana, aos 22 anos e grávida de 3 meses, vivenciou em carne e osso o medo da demissão durante a gestação. Ao receber a proposta de licença maternidade da empresa em que trabalha como analista em um centro de análise clínica, Eduarda se viu em uma encruzilhada: por um lado, a necessidade de cuidar de sua saúde e do seu bebê; por outro, o receio de perder o emprego e comprometer a renda familiar. A família de Eduarda, composta por pai, mãe e duas irmãs mais novas, depende do seu trabalho para arcar com os custos básicos de vida. A precariedade do mercado de trabalho e a falta de oportunidades para mulheres grávidas a obrigaram a recusar a licença maternidade, assumindo o risco de ser demitida posteriormente.
A precariedade da “proteção”: Uma análise crítica da Reforma Trabalhista:
A Reforma Trabalhista de 2017, apesar de trazer algumas mudanças positivas, gerou controvérsias ao flexibilizar a proteção às gestantes em atividades insalubres e perigosas. A advogada Larissa Rodrigues de Oliveira, especialista em leis trabalhistas, explica que, antes da Reforma, a gestante era afastada automaticamente dessas atividades, assegurando sua saúde e bem-estar. No entanto, a Reforma introduziu a necessidade de um laudo médico para o afastamento, colocando em risco a saúde da gestante e do bebê. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a determinação anterior à Reforma, garantindo o afastamento automático das gestantes em atividades insalubres e perigosas.
Empresas se aproveitam das brechas: Um jogo de gato e rato:
Mesmo com as leis em vigor, empresas se aproveitam de brechas e ambigüidades na legislação para demitir gestantes. Ana Paula Azevedo da Silva, auxiliar de laboratório grávida de 5 meses, foi obrigada a se afastar do trabalho durante a pandemia por determinação legal. No entanto, o medo de perder o emprego após o período de estabilidade a acompanha constantemente. A natureza presencial do seu trabalho em um laboratório, com contato frequente com diferentes pessoas, a coloca em uma situação de risco e vulnerabilidade.
Desigualdade aflorada: A interseccionalidade em jogo:
A proteção legal, ainda que necessária, nem sempre é suficiente. A realidade social e econômica impacta as gestantes de forma desigual, evidenciando a necessidade de uma análise interseccional que considere as diferentes formas de opressão que se entrelaçam na vida das mulheres.